domingo, 22 de agosto de 2010

Fagulha

O dia já se apagava e eu ainda estava lá, os braços abertos sobre o encosto de um banco na frente de um grande complexo de lojas. Observava sem muito interesse pessoas que iam e voltavam carregando fartas sacolas ou o vazio fechando os punhos cerrados, insatisfeitos, desejosos. Não importava a idade, e me enchia os olhos ver as mãos tão bem casadas dos amantes, sorrindo como se a vida fosse algo bonito de se viver. Penso que são essas coisas que ainda me dão um breve sopro de esperança enquanto assisto os garotos cobrindo sua nudez e abandonando o meu leito, para nunca mais.
E a noite já vinha mansinha tonalizando o céu de uma mistura rosa acobreada. O vento levantando meus cabelos levemente, acariciando minhas bochechas, eriçando suavemente a penugem tênue de minha nuca. As pessoas continuavam seu trajeto enquanto eu as observava como em um programa de natureza selvagem. Um cigarro no canto de meus lábios entreabertos.

Eu não sabia que você fumava.

Eu senti o estralar de meu pescoço na tentativa de descobrir o meu espectador. A franja espessa caindo sobre meus olhos. Ele colocou a mão no encosto, obrigando-me a recolher meus braços abertos tão bem acomodados. Ele sorriu. Eu me senti um tanto exposta. Queria dizer que não fumava, queria dizer que apenas gostava de manter o cigarro na boca e lentamente sugar toda sua essência. Permaneci silenciosa.
Ele se manteve calado assistindo o mesmo espetáculo natural que por tantas horas me entretinha.

Perguntou se eu tinha um cigarro.

Pensei por alguns segundos e delicadamente ofereci a ele o único que possuía, mantido em um longo contato intimo com minha língua. As marcas de batom e o filtro deformado e úmido. Ele o tirou de meus dedos cuidadosamente e o acomodou em sua boca. Acendeu. Deu uma bela tragada. Eu assisti seus pulmões se enchendo da minha essência e sofregamente a colocando para fora, como algo doído de se perder.

Ele disse que tinha o mesmo gosto que eu.

Eu sorri.