terça-feira, 29 de junho de 2010

the french erotic film

Toda noite eu engulo um comprimido. Não o faço por amor, mas por necessidade e me desfaço no leito macio e arrumado que faço todas as manhãs, ou quando sinto que é dia de visita. Eu tenho essa sensação dentro de mim, sabe? Que alguma coisa vai acontecer, deve ser por isso que usualmente esbarram comigo pelos cantos rancorosa e taciturna, porque a sensação não desabrochou ou voltou ao desmaio.
Na ocasião eu já havia por muito me enfadado e desistido, a pílula rosinha não funcionou, a pilantra. Resolvi levantar, os chinelinhos simetricamente colocados ao lado da cama para o lado errado, tive de dar uma volta inteira só para. Tomei um banho, tornei ao leito, a vida apagou.
Sonhei uma vez, e outra, mas a ultima... Ah! foi fervorosa. Acordei descabelada com a nuca em febre, envolta em cobertores excessivamente desalinhados. Assustada com o telefone que tocava dentro da fronha, olhando para o celular e pensando como era incrível esse sentido extra, aflorando em todo pai, quando eles sentem a criançada se divertindo.
Sonhei com esse menino aí. Uma graça de se ver com uns óculos quadrados fora de moda e o cabelo oleoso que lhe cai tão bem, me fazendo questionar minha própria higiene. O sujinho, como ele disse, olhou no fundo dos meus olhos e perguntou porque você gosta desses meninos sujinhos, Cecília? Eu não! Mas só pude ficar corada e suspirar erguendo os ombros.
E ele estava tão deliciosamente erótico em meu sonho, que até me dói relembrar a cena. Os cabelos maiores e selvagens roçando minhas clavículas, a barba por fazer corrompendo seus poros imaculados enquanto me olhava com aquele tipo de olhar que simplesmente desmonta. Maldito celular enfiado embaixo do travesseiro.
No dia seguinte me encontrava sentada em uma salinha minúscula praticando o meu exercício rotineiro de espera. E lá estava Cecília com seu cabelo desgrenhado, a roupa escolhida sem o menor critério, a falta de classe na pose que curvava praticamente sua coluna vertebral inteira, enquanto sem esperanças vê o menino dos sonhos passar.
Eu tenho essa sensação dentro de mim, sabe? Que alguma coisa vai acontecer.

domingo, 27 de junho de 2010

Porque não ter uma filha

O carro se aproximava ronronando mansinho pela rua, e minha mãe me olhava com os olhos cheios de desespero, ajeitando delicada a gola de minha blusa. Ouvia-se o freio sendo puxado e a lanterna a se tornar mais tênue desvanecendo na escuridão. ela me beijava a testa e me abraçava como se estivesse prestes a me entregar para o açougueiro. Eu não entendia muito bem e sorria de volta um tanto preocupada, e nervosa, cheia de borboletas no estomago, enquanto o moço do lado de dentro do carro abria a porta.
Nesse dia eu tornei a casa por volta das 5 da manhã, somente porque era preciso. O barulho das chaves, que se enfiavam estreitas nas ranhuras da fechadura, fez com que ela despertasse de seu doce sonho de pílulas felizes, me indagando alterada que horas eram. Eu menti, disse que não chegava a ser 3. Passou o dia seguinte desaprumada, questionando a dignidade de uma filha que passa tanto tempo sozinha com um rapaz.
Eu disse que queria trazê-lo pra casa. Ela se exaltou um bocado, me indagando se eu pensava em "transar" com o garoto só porque queria trancar a porta. E se eu quisesse? Já tinha idade para isso, ou era pelo menos o que eu pensava aos 17 quando temia ser enterrada em um caixão branco.
Essa noite em particular, ele estava mais vistoso e minha mãe finalmente sentiu-se um pouco menos desconfortável em conhecê-lo, o cumprimentando respeitosamente. Disse que iria sair e me abraçou forte, como se houvesse acabado de entregar a carne para o abate.

sábado, 26 de junho de 2010

Saudade

Eu não me importava de acordar todos os dias às 7 horas, dormindo perto da meia noite e amanhecendo como se um trator me atropelasse durante o sono, sôfrega e tremula. Bem, na verdade eu me importava, regando os meus dias de um palavreado chulo inconfundível.
Tinha esse garoto lá aonde eu ia. Não éramos tão próximos a inicio e não sei dizer se a proximidade nos acolheu no final, mas à medida que os dias passavam eu não me importava mais de acordar todos os dias às 7, assistindo o menino chegando de manhã, mau humorado me esboçando um sorriso e me beijando a bochecha. Eu gostava quando ele me beijava a bochecha, e ele o fazia sempre, até quando nos encontrávamos em outras ocasiões, como um pequeno ritual que era só meu e dele. Para as outras pessoas bastava um aceno, um breve sorriso esboçado no canto dos lábios, um cumprimento sonoro, um aperto de mão. Eu não gosto que encostem em mim. Ele era diferente com seu pull over xadrez e sua camiseta pólo que se esgueirava gola a fora. Avistava-me de longe e parava para que eu fosse lhe dar um beijo, sorridente. Queria dar lhe um abraço, queria pular no seu colo, queria que ele me levantasse do chão e me rodopiasse. E o olhava sentado à mesa na minha frente enquanto minhas idéias transbordavam de malícia. Falava me olhando fixo como se no fundo soubesse, sentia meu coração a beira de um ataque enquanto envergonhada só podia desviar o olhar. Eu queria. Sabia que ele tinha uma namorada há algum tempo atrás, só não sabia se os dois estavam juntos ainda. Um dia o senti subitamente omitindo o nome dela enquanto me contava uma história. Nunca tive a coragem de perguntar, só a certeza que as coisas estavam mudando e agora ele chegava me beijando a bochecha, me fazendo rir e encostando em mim. Eu não me importava que ele encostasse seu corpo junto ao meu e se acomodasse no meu ombro. Às vezes nossas mãos se tocavam, eu quase perdia o fôlego, minhas pernas desvencilhavam, ele sorria, um sorriso sincero bonito de se ver, com aqueles óculos de aros grossos e os olhos miúdos. Eu gosto de óculos. Gostava também quando ele tirava e aí eu podia admirá-lo com a fronte límpida, clara. E então as brincadeiras se intensificaram, os olhares, o jeito que ele afagava meu cabelo com um carinho imenso. Às vezes era só eu e ele, e quando estávamos fora também ficávamos sozinhos por algum tempo em algumas situações. Saíamos de carro e ele sentava-se ao meu lado e riamos juntos enquanto meus pensamentos já eram realmente impróprios. E nada aconteceu.
Quando nos vemos agora, faz questão de me dar um beijo, porque a gente já não se encontra mais com tanta freqüência.

sábado, 19 de junho de 2010

Conversa de vó

-E você para de chutar os moços.
-Mas eu não chuto ninguém!
-Chuta sim que eu sei, com esse seu geniozinho que é danado.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

O presente

Era um desses dias que o céu é azul de doer, e eu lembrava dele me dizendo que uma foto dessas, para um céu assim, a abertura do obturador tinha de ser mínima, coisa de um pontinho de luz invadindo sublimemente a câmara escura. E lá estava eu sentada em um desses bancos de concreto de praça, os dedos que escapavam da luva tentando mudar a página teimosa do livro. Mordiscava ternamente um cigarro rosa, presente. Ela olhou pra mim com confiança e me perguntou se era dos dias dos namorados. Fiquei puta, uma merda de dia, pensei. Não, ganhei a meia no natal. Ela deslizou as unhas pelo cabelo dizendo que era difícil combinar essas coloridas assim, mas que eu realmente havia sucedido em uma coisa incrível.
O sol acariciava minha nuca parcialmente, sua luz difusa filtrada pelas arvores ao meu redor. Que sensação boa, essa de se sintetizar cálcio facilmente.
Minha garota chegou atrasada. Sentou-se ao meu lado, tirou o cigarro de mim com um beijo, a língua gelada me tocando os lábios mornos. Acendeu e deu uma boa tragada, imergiu no banco como se afundasse em uma banheira. Olhou-me curiosa, os pezinhos balançando dentro das botinas pesadas. Tinha uns olhos enormes, questionadores, e o cabelo estragado feito vassoura de palha, castanho. Enrolou um de meus cachos ao redor de seu dedo indicador, fazendo voltas. Não pude evitar e acabei perguntando o que ela estava pensando. Tragou o cigarro novamente, os enormes olhos fechando-se como janelas, ergueu a cabeça sorridente. Já assustou outro rapaz de novo, hein Cê?
Começou a tossir com a fumaça. Abanei a pobre alma, olhei para o céu azul com um grande suspiro.
Se ele pedisse, eu bem que o perdoaria, você sabe como meu coração é enorme, não sabe? Ela começou a rir, me fazendo cócegas. É claro que é, Cê, eu bem que sei.

às sete

Perguntei se poderia fazer o exercício deitada com alguns livros sobre mim, queria saber se faria o mesmo efeito. Ele sorriu gentilmente com os pequenos olhos azuis transparentes como vidro, uma pequena abertura entre os dentes da frente. Pediu me para manter a calma e soltar a tensão, enquanto com as mãos firmes pressionava meu abdômen forçando a permanência do ar. Sentiu isso? Quase tocava o dedo em meu nariz, risonho olhando curioso para os outros da sala. Disse que eu era tímida demais. Mas eu estou tentando, juro que estou. Sorriu, perguntou se eu não sentia frio de estar ali quase pelada. Minhas maçãs rubras. Minhas pernas de fato coçavam e conforme a noite caía, podia observar os poros eriçando. Até segunda. Tchau. Obrigada. Alguém gritou por mim. Perguntou-me se eu estava com pressa, disse que precisava falar comigo, coisa de dois minutos. Queria me perguntar uma coisa. E então, o que é? Enquanto caminhávamos. Resolvi te perguntar, sabe? Pensei comigo mesmo, que se eu não perguntasse, bem eu não teria como adivinhar, não é mesmo? Concordei com um sorriso. Queria saber se você quer ficar comigo. Minhas maçãs rubras. É que eu estou saindo com um cara, sabe? Tudo bem, eu só queria saber, não precisa ficar sem graça.

domingo, 13 de junho de 2010

Amanhã vou comprar outra meia sete oitavos, fantástica.

au retour à la normalité

Voltei para casa com aquele cheiro de fumaça se agarrando nas minhas roupas, uma luz negra e até você poderia ver as mãozinhas da safada se segurando em mim. Passei as mãos para ajeitar a saia e senti um furo na meia fina. Malditas meias frágeis. Uma vez paguei 20 contos em uma, sete oitavos com barra rendada, fantástica, rasguei a danada na mesma noite. Estava meio bêbada e, só pude sentir o dedo trespassando a coitada.
Queria furar todos os sinais dessa vez. Quem quer brincar da roleta? Eu, eu! Mas senti seu olhar reprovativo e me contive.
Essa coisa já havia me acontecido antes. Outro moleque aí. Levei o menino pra minha casa. O ego inflou, vou fazer o que? E posso ainda lembrar claramente a fronte embriagada me falando que a camisinha secou. Não, meu bem, sou eu que não estou sentindo a menor graça. Desisti, virei para o lado, capotei. Acordei assustada e seminua com um cara enrolado em meus lençóis. Fico puta. Normalmente eles cheiram tão bem, a mistura de baunilha orquídea que se desprende de minha pele na insônia noturna. Mas então eles aparecem e estragam tudo com aquele cheiro próprio que eles têm.

sábado, 12 de junho de 2010

Meu organismo demasiado frágil

Era noite e ele fumava um desses cigarrinhos espertos, fazendo a fumaça sair boleada boca a fora, coisa linda de se ver. Apertava os olhos e dava outra tragada. Enchia o peito, as marquinhas amarelas tão bem delineadas nas pontas dos dedos. Estávamos sentados na beira da praia, descalços, a água do mar beijando delicadamente a ponta de meus dedos, espumosa.
Eu sempre gostei da praia noturna, da areia escura, do mar chumbo guardando os segredos sujos dos casaizinhos apaixonados. E lá estávamos nós sentados lado a lado, ele com o braço cruzado por trás de mim, e a mão que fazia círculos carinhosos no meu ombro descoberto.
Interrompeu o gesto e com a testa franzindo, perguntou-me - Porque é que você nunca fuma um desses hein, Cê? Talvez ajudasse a aliviar um pouco sua tensão,sabe? - Eu continuei a olhar para a imensidão daquela água infinita enquanto pensava em alguma resposta que ele, naquele estado deplorável, poderia entender.
Levantei-me e a saia ergueu-se sem vergonha com a brisa. Ele começou a rir, me olhando ainda sentado. Peguei em suas mãos para que se levantasse e pedi que me rodasse com toda a força do mundo. Ergueu a manga da blusa, chacoalhou um pouco a cabeça, segurou meus braços e girou, girou, girou, girou, girou, girou, girou... Meus pés levitaram sobre a areia, os cabelos selvagens, os maxilares arreganhados de tanto sorrir. Pousou-me delicadamente sobre o chão.
Eu estava em puro êxtase. As pupilas dilatadas, as mãos tremulas, o coração em um disparo. A sensação torpe, as extremidades adormecidas, o corpo desmaiado. As bochechas coradas, os sons ecoando em um doce suspiro, o deleite sem a droga.

Garotas

E como são simplesmente detestáveis, apesar da perfeita composição estética que seus corpos apresentam.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Garotos

E como suas explicações, ou a falta das mesmas me fogem da compreensão.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Porque livros e não pessoas

Sentou em uma cadeira de jatobá curvada a vapor, os tons achocolatados se misturando com a beleza dos veios que reluziam no acabamento, uma verdadeira obra de arte, coisa impar nesse reinado de MDFs e compensados, seus olhos sorriram.
Um carioca com canela, por favor. Porque um dia a menina que morava com ela disse que era abortivo. Quando você achar que a pílula não funcionou, só fazer um chá. Agora tinha um adesivo e dizia que era só ter força de vontade, como largar de um cigarro. Um pouco mais de determinação e a vida não se prende no seu útero, é verdade. Assoprou a xícara, as mãos feito conchinha se aquecendo no calor.
Deslizou os dedos magros para dentro da bolsa branca de pelica. Alcançou um livro com certa dificuldade no embaralhado da rotina que precisava ser carregada com dificuldade, e peso. A encadernação desgastada, as beiradas côncavas, as páginas adquirindo outra tonalidade, o cheiro impregnado nas folhas, a personalidade amadurecendo.
Quantas horas haviam se perdido na repetição de uma frase, ou página ou capítulo. Quantas vezes tornou a ler a peça com a mesma empolgação a qual desembrulhava um romance inédito, e não se fatigava. Cada trecho relido revelava um novo segredo, uma descoberta extraordinária, uma interpretação alternativa.
Conforme se desenvolvia, era como se os livros acompanhassem seu crescimento, transfigurando-se, mudando de tom, de humor, de sensibilidade. E ao mesmo tempo eram tão constantes, imensamente equilibrados. Sabia que no fim Catherine sempre amaria Heathcliff e isso não haveria de mudar. Talvez os gestos, a intensidade, as entonações, mas o resto assegurava-lhe uma tremenda segurança.

Olhou impaciente no relógio. Fechou a conta. Suspirou desconsolada. Abandonou o recinto.