domingo, 27 de junho de 2010

Porque não ter uma filha

O carro se aproximava ronronando mansinho pela rua, e minha mãe me olhava com os olhos cheios de desespero, ajeitando delicada a gola de minha blusa. Ouvia-se o freio sendo puxado e a lanterna a se tornar mais tênue desvanecendo na escuridão. ela me beijava a testa e me abraçava como se estivesse prestes a me entregar para o açougueiro. Eu não entendia muito bem e sorria de volta um tanto preocupada, e nervosa, cheia de borboletas no estomago, enquanto o moço do lado de dentro do carro abria a porta.
Nesse dia eu tornei a casa por volta das 5 da manhã, somente porque era preciso. O barulho das chaves, que se enfiavam estreitas nas ranhuras da fechadura, fez com que ela despertasse de seu doce sonho de pílulas felizes, me indagando alterada que horas eram. Eu menti, disse que não chegava a ser 3. Passou o dia seguinte desaprumada, questionando a dignidade de uma filha que passa tanto tempo sozinha com um rapaz.
Eu disse que queria trazê-lo pra casa. Ela se exaltou um bocado, me indagando se eu pensava em "transar" com o garoto só porque queria trancar a porta. E se eu quisesse? Já tinha idade para isso, ou era pelo menos o que eu pensava aos 17 quando temia ser enterrada em um caixão branco.
Essa noite em particular, ele estava mais vistoso e minha mãe finalmente sentiu-se um pouco menos desconfortável em conhecê-lo, o cumprimentando respeitosamente. Disse que iria sair e me abraçou forte, como se houvesse acabado de entregar a carne para o abate.

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