quarta-feira, 16 de junho de 2010

O presente

Era um desses dias que o céu é azul de doer, e eu lembrava dele me dizendo que uma foto dessas, para um céu assim, a abertura do obturador tinha de ser mínima, coisa de um pontinho de luz invadindo sublimemente a câmara escura. E lá estava eu sentada em um desses bancos de concreto de praça, os dedos que escapavam da luva tentando mudar a página teimosa do livro. Mordiscava ternamente um cigarro rosa, presente. Ela olhou pra mim com confiança e me perguntou se era dos dias dos namorados. Fiquei puta, uma merda de dia, pensei. Não, ganhei a meia no natal. Ela deslizou as unhas pelo cabelo dizendo que era difícil combinar essas coloridas assim, mas que eu realmente havia sucedido em uma coisa incrível.
O sol acariciava minha nuca parcialmente, sua luz difusa filtrada pelas arvores ao meu redor. Que sensação boa, essa de se sintetizar cálcio facilmente.
Minha garota chegou atrasada. Sentou-se ao meu lado, tirou o cigarro de mim com um beijo, a língua gelada me tocando os lábios mornos. Acendeu e deu uma boa tragada, imergiu no banco como se afundasse em uma banheira. Olhou-me curiosa, os pezinhos balançando dentro das botinas pesadas. Tinha uns olhos enormes, questionadores, e o cabelo estragado feito vassoura de palha, castanho. Enrolou um de meus cachos ao redor de seu dedo indicador, fazendo voltas. Não pude evitar e acabei perguntando o que ela estava pensando. Tragou o cigarro novamente, os enormes olhos fechando-se como janelas, ergueu a cabeça sorridente. Já assustou outro rapaz de novo, hein Cê?
Começou a tossir com a fumaça. Abanei a pobre alma, olhei para o céu azul com um grande suspiro.
Se ele pedisse, eu bem que o perdoaria, você sabe como meu coração é enorme, não sabe? Ela começou a rir, me fazendo cócegas. É claro que é, Cê, eu bem que sei.

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