terça-feira, 21 de setembro de 2010

not Ben

Ela começou a ajeitar os cabelos negros delicadamente com as pontas dos dedos enquanto permanecíamos ambas sentadas na beira de um verdadeiro oceano de água. Os pezinhos trêmulos imersos naquela imensidão azul céu. Minha coluna se curvava completamente enquanto eu abraçava minhas canelas. Beijei meus próprios joelhos. Minha caixa torácica expandia-se e comprimia-se vagarosamente. Encostei minha cabeça em seu ombro e disse que gostaria que nós fossemos outra coisa. Ela pousou sua mão em meu pescoço.

Eu pensei sobre o desinteresse como uma mosca desovando no intimo do meu ser. Suas larvas se alimentando furtivas de tudo aquilo que antes eu desempenhava com extrema força de vontade. Poderia existir uma barra inteira do mais fino dos chocolates, eu não a abriria. Havia ovos no topo do armarinho, eles nunca seriam batidos. Eu não tomaria meu fouet e expressaria minha paixão em um crème brûlée. Não passaria horas na maquina delineando vestidos fantásticos adquiridos como um sonho que se realizava. Não ouvia mais música, não acendia mais as luzes. O breu me tomava pela cintura e me mostrava a dança. Mas não havia dança.

O sol salpicava pequenas manchas em minha pele. Ela segurava uma sombrinha com a outra mão. Seus olhos refletiam a luz e se tornavam uma mistura verde acobreada. O protetor solar evaporava de nossas peles expostas. Começou a desenhar círculos com os dedos dos pés, sua voz expressou-se lastimosa.

"Sabe, Cê? Não é ele."

Minha penugem se eriçou como se a própria morte agora se juntasse a nós ali, na beira da piscina. Eu acredito que o tempo todo era exatamente aquilo o que eu mais temia ouvir, e a resposta para isso é porque no fim eu já sabia. E um longo tempo de minha vida eu deixara escapar no ensaio de me encontrar com garotos os quais eu imaginava que poderiam ser ele. Que me enganariam imitando seu comportamento ou sua aparência física, ou o seu modo de sorrir. Que poderiam se fazer passar por alguém que não poderia mais estar aqui. As lagrimas começaram a se esvair de meus olhos e se misturarem com aquele vasto mar. Ela me abraçou por inteira enquanto a única retribuição que eu podia oferecer eram meus soluços descontínuos.

Por algum tempo meu imaginário transbordou-se em conflito. Meus pensamentos beiravam a loucura enquanto eu associava ele a qualquer outro garoto ou deixava qualquer outro garoto se fantasiar dele. Adormeci sobre os azulejos mornos. A mão enrugando-se saturada na água e o sol infantil cobrindo meu corpo de rabiscos.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

A mesa

Meus hormônios em fúria enquanto ele somente sorria. Eu o observava explicitamente todos os dias enquanto meus dedos formigantes se destruíam por debaixo da mesa. Eu o sentia olhando minhas coxas curvilíneas quando minha saia permitia todas as vezes que eu levantava. Eu podia sentir o cheiro desfragmentando da sua pele que anunciava que alguma coisa ali também subia. Bem ali. Eu o olhava se espreguiçando. Os músculos tensos, a carne exposta. Minhas pernas rangiam tensionadas por debaixo da mesa. Alguém fazia um comentário inapropriado. Seus olhos deslizavam pelas nuances de minha face na tentativa de descobrir minha reação, os dentes nus, despia os meus em retorno. Despiria-me toda em retorno. Minhas unhas travando uma batalha épica sobre meu colo. As pernas se cruzando inapropriadamente. Seu pé que esbarrava deliciosamente nas minhas canelas, acariciando. Algum objeto seu que caia sorrateiro por baixo da mesa, minha pelve entreaberta, exposta, entregue.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Cigarrinhos

Mathilda, porque diabos voce está guardando seus cigarros?
- eu não posso evitar, sinto pena deles...
- de cigarros?
- são como pessoas, compreende? Nós usamos até esgotarem e depois simplesmente jogamos fora...
- mas voce ainda assim os fuma.
- oras, eles precisam saber como é ser usado, mesmo que seja só um pouco...
- para que?
- aprenderem...
- e não é para isso que são feitos, minha querida? ser usado é a função de um cigarro...
- e não é a nossa?

(11/10/06)