quarta-feira, 16 de março de 2011

Os Amantes (pt.1)

O relógio batia às três. Não que batesse realmente, mas era como se, e a penugem alourada cobrindo minha tez se eriçava por completo. Que sensação gostosa aquele calafrio que me subia pela barriga.
A moça de casa não me perguntava, mas eu sentia sua desaprovação no exato momento em que nossos olhares coincidiam. Ainda sim eu insistia que ela me alcançasse a bolsa e o par de luvas cinza camurça escondido na gaveta do quarto.
Vestia-me apropriadamente. As ligas segurando as meias rendadas e o sapatinho de vinil lustroso feito boneca. A saia de cintura alta delineando a silhueta de meu corpo. O batom rouge. Mais uma passadela de rímel e tudo estava pronto.
Pontualmente nos encontrávamos as três e quinze. Podia observa-lo chegando até mim, algo que em muitos aspectos me agradava. Possuía um porte muito distinto, os ombros largos enchendo todo o casaco, o cabelo denso escuro acentuando os nobres ossos de seu rosto alvo. Um olhar distante, etéreo, perdido. Em alguns momentos eu juro que podia me encontrar ali.
Muito cavalheiro, afastava a cadeira para que eu me acomodasse e gentilmente me aproximava da mesa. Ele sempre sorria rubro quando se sentava próximo. Pedíamos dois cafés. Conversávamos principalmente sobre livros, poesia e filmes. Ele me tocava sutilmente gesticulando alguma de suas cenas mais queridas. Eu apoiava um de meus cotovelos sobre a mesa e alguns dedos escondiam meu sorriso. Era nessa hora que ele entendia. Discretamente me oferecia sua mão três vezes maior do que a minha. Retirava minhas luvas delicadamente e meus dedos frígidos podiam finalmente tocar sua pele. O silêncio chegava. Não precisávamos mais de palavras, era tudo transmitido pelo calor de nossas palmas, pelo entrelaçar dos nossos dedos.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Sweetheart

Eu perguntei para Cecília porque ela se doía tanto.
Colocou as mãozinhas translúcidas sobre o peito alvo osso. Sofreu.
Percebi, porque é coisa dela isso de sentir o batimento do coração e medir. Disse que assim conseguia mensurar o sofrimento. As batidas puladas, a disritmia, o descompasso, o aperto que a tragava para dentro das próprias costelas e afogava.
Não disse uma palavra. Os olhos fatigados e vermelhos de chorar.
Ergueu as sobrancelhas lastimosa, silenciosamente me questionando, como se baixinho eu pudesse ouvir "Porquê?".
Sentei-me mais próxima a ela. Soprei um cílio solto que repousava sobre sua maçã levemente corada. Inclinei-me e beijei sua bochecha.
Cecília,deixe-me contar algo novo sobre você.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

a saída

Nossa ultima noite juntos.

Tanto tempo que não nos encontrávamos mais. Acabamos os dois sem roupa, aconchegados sobre os lençóis emaranhados.

Fazia um friozinho gostoso e ele me abraçava pela cintura e me apertava como uma coisa muito doída de se perder. Nessa hora eu já sabia.

Eu sempre tive esse momento de compreensão profunda antes da vida partir, antes dela quebrar-se ao meio.

Ele beijava tanto meu ombro, meu pescoço, minhas costas salpicadas de suor.

Eu me esforcei, apertando meus olhos e tentando imaginar que aquilo era só a saudade inundando seu corpinho frágil. A danada da saudade nos unindo por uma ultima vez até adormecermos entrelaçados. Até o sol invadir as persianas. Até ele acordar. Até ele vestir a calça e a camiseta. Até ele me abraçar e pedir para que eu não sumisse. Até ele sumir.

Eu gostava do jeito que ele tímido, sorria para mim.

domingo, 24 de outubro de 2010

o vestido de noiva

O barulho da porcelana de ossos chinesa ressoando tímida no contato entre o pires e a xícara. Plin. Ele sempre com aquele olhar de incompreensão que me dói, o caderninho de notas à mão.
Eu juro que tentei me explicar da forma mais clara que me permiti.

Encontrei-o desmaiado atrás de um espelho. Você sabe como essas coisas mexem comigo, essa aura que as coisas abandonadas parecem emanar, uma saudade melancólica. Uma memória dolorosa. Eu não pude evitar me sentar ao lado dele, sobre o chão sujo e os objetos empoeirados. Era como se silenciosamente ele me chamasse choroso. Eu o desdobrei por inteiro. As pontas de meus dedos imediatamente deslizaram pelas rendas e bordados como uma caricia reconfortante. Eu o segurei delicadamente pelos ombros, era uma peça genuinamente maravilhosa. Contei as perolinhas que compunham o bordado, uma a uma. Os pequenos cristais que reluziam esplendorosos a luz do dia, a tanto tempo roubada. Eu o tomei em meu colo cuidadosamente para não magoá-lo mais do que o próprio esquecimento. Eu senti que precisava dele tanto quanto ele precisava de mim.
Dei a ele o melhor que pude. Um bom banho, um belo dia de sol. Sua trama tornou-se rapidamente de uma luminosidade ímpar. Imagine então minha felicidade ao descobrir que nos encaixávamos perfeitamente. Seus botões a beijar e cobrir gentilmente minhas costas alvas. Suas camadas de tule a roçar sutil em minhas pernas.
Eu só pude vesti-lo apenas uma vez. Fecho os olhos e me consome essa sensação de negligencia quando me lembro do vinho tinto a ser lançado sobre ele. Os adornos da renda contorcendo-se púrpuras, suas lágrimas alcoólicas. Eu tentei. Tentei por dias devolver a ele a pureza antiga que lhe maculei. Horas de preocupação e esforço que se resumiram em resultado algum. As pedrinhas se partindo à medida que minha tristeza o decompunha lentamente.
A única coisa que pude fazer foi continuar amando-o incondicionalmente, não pelo que ele era, mas pelo que ele não poderia mais ser. Deitava-o toda noite sobre meu leito e o abraçava pela cintura. Ambos dormíamos aconchegados, embalados pela brisa noturna. Fiz questão de que ele não se sentisse subestimado, sonhávamos todas as noites juntos e de manhã eu o recolhia. Com algum tempo ele começou a cheirar como meus lençóis, como o perfume que evaporava de minha pele, como os garotos que às vezes eu me deitava, com as bebidas que eu consumia quando me sentia demasiadamente sozinha. Com algum tempo ele era exatamente como eu.

Ainda dormimos juntos todos os dias, sua cintura fina se acomodando em meus braços, o cetim branco deslizando entre minhas coxas.

Ainda o recolho todas as manhãs, para que eu não o perca quando precisar de alguém para dormir comigo todas as noites.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Pendências

Desceu a mão pelas minhas costas e disse que era a coisa mais macia que ele já havia tocado. Disse que queria casar comigo. Ajoelhou nas pedrinhas e beijou minha mão. O joelho sujo de sangue pisado. O amor me afogando.

Eu me lembro dos anos que se passaram e de alguns instantes que permanecem intactos. Os dois ébrios sentados em alguma mureta com outro copo de cerveja na mão. Os personagens transfigurados e miscigenados ao nosso próprio caráter. Ele virou o copo de uma vez só. Eu não fiquei surpresa. Ele me analisou por alguns momentos e disse que eu poderia ser uma mulher devastadora se eu quisesse. Eu poderia cair na boemia e estragar o coração de todos. Eu nunca quis fazer uma coisa dessas, mas em algum momento eu estraguei seu coração.

Escutei-o gritando para todos no meio da festa que ele me amava e que eu era a mulher da vida dele. Senti-me um bocado envergonhada. Mas o que eu realmente queria dizer para ele era que

Nos gostávamos porque no fundo éramos iguais. Isso foi o que sempre acreditei no primeiro minuto em que olhei para ele esboçando um sorriso tímido que me quebrou por inteira. Seus dedos compridos desabotoando meu soutien preto rendado. Ele foi o primeiro a tocar em mim e isso é uma informação inútil que por muito tempo mantive em segredo.

eu estava muito desapontada porque eu gostaria que nós realmente pudéssemos nos apaixonar e todo aquele desperdício se transformasse em algo verdadeiro. O grande empecilho agora, se encontrava no fato de que qualquer palavra proferida não pareceria mais fazer parte da realidade.

Nos encontrávamos escondidos porque isso fazia sentido para ele. Embora ele nunca houvesse se incomodado em saber do meu parecer sobre esse assunto eu também não me importava conquanto eu pudesse estar com ele e me aconchegar em seus ombros magros enquanto ele me tocava mansinho. Eu nunca disse pra ele que ele era o primeiro a encostar em mim daquele jeito. Eu não sei se ele faria questão de saber.

Passamos um dia inteiro entrelaçados juntos ao lençol. O cheiro da carne macilenta me enchendo de náuseas. Eu já perdi as contas de quantos me tocaram daquele jeito depois dele. Ele olhou para o teto como se eu não estivesse ali. Ele se deitou em meu leito como se estivesse sozinho. Eu não sei se ele estava pensando em outra pessoa. Eu pensei somente nele por muito tempo. Eu sei que existem outros garotos que pensam em mim. Eu não me interesso por isso. Eu nunca quis fazer uma coisa dessas.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

not Ben

Ela começou a ajeitar os cabelos negros delicadamente com as pontas dos dedos enquanto permanecíamos ambas sentadas na beira de um verdadeiro oceano de água. Os pezinhos trêmulos imersos naquela imensidão azul céu. Minha coluna se curvava completamente enquanto eu abraçava minhas canelas. Beijei meus próprios joelhos. Minha caixa torácica expandia-se e comprimia-se vagarosamente. Encostei minha cabeça em seu ombro e disse que gostaria que nós fossemos outra coisa. Ela pousou sua mão em meu pescoço.

Eu pensei sobre o desinteresse como uma mosca desovando no intimo do meu ser. Suas larvas se alimentando furtivas de tudo aquilo que antes eu desempenhava com extrema força de vontade. Poderia existir uma barra inteira do mais fino dos chocolates, eu não a abriria. Havia ovos no topo do armarinho, eles nunca seriam batidos. Eu não tomaria meu fouet e expressaria minha paixão em um crème brûlée. Não passaria horas na maquina delineando vestidos fantásticos adquiridos como um sonho que se realizava. Não ouvia mais música, não acendia mais as luzes. O breu me tomava pela cintura e me mostrava a dança. Mas não havia dança.

O sol salpicava pequenas manchas em minha pele. Ela segurava uma sombrinha com a outra mão. Seus olhos refletiam a luz e se tornavam uma mistura verde acobreada. O protetor solar evaporava de nossas peles expostas. Começou a desenhar círculos com os dedos dos pés, sua voz expressou-se lastimosa.

"Sabe, Cê? Não é ele."

Minha penugem se eriçou como se a própria morte agora se juntasse a nós ali, na beira da piscina. Eu acredito que o tempo todo era exatamente aquilo o que eu mais temia ouvir, e a resposta para isso é porque no fim eu já sabia. E um longo tempo de minha vida eu deixara escapar no ensaio de me encontrar com garotos os quais eu imaginava que poderiam ser ele. Que me enganariam imitando seu comportamento ou sua aparência física, ou o seu modo de sorrir. Que poderiam se fazer passar por alguém que não poderia mais estar aqui. As lagrimas começaram a se esvair de meus olhos e se misturarem com aquele vasto mar. Ela me abraçou por inteira enquanto a única retribuição que eu podia oferecer eram meus soluços descontínuos.

Por algum tempo meu imaginário transbordou-se em conflito. Meus pensamentos beiravam a loucura enquanto eu associava ele a qualquer outro garoto ou deixava qualquer outro garoto se fantasiar dele. Adormeci sobre os azulejos mornos. A mão enrugando-se saturada na água e o sol infantil cobrindo meu corpo de rabiscos.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

A mesa

Meus hormônios em fúria enquanto ele somente sorria. Eu o observava explicitamente todos os dias enquanto meus dedos formigantes se destruíam por debaixo da mesa. Eu o sentia olhando minhas coxas curvilíneas quando minha saia permitia todas as vezes que eu levantava. Eu podia sentir o cheiro desfragmentando da sua pele que anunciava que alguma coisa ali também subia. Bem ali. Eu o olhava se espreguiçando. Os músculos tensos, a carne exposta. Minhas pernas rangiam tensionadas por debaixo da mesa. Alguém fazia um comentário inapropriado. Seus olhos deslizavam pelas nuances de minha face na tentativa de descobrir minha reação, os dentes nus, despia os meus em retorno. Despiria-me toda em retorno. Minhas unhas travando uma batalha épica sobre meu colo. As pernas se cruzando inapropriadamente. Seu pé que esbarrava deliciosamente nas minhas canelas, acariciando. Algum objeto seu que caia sorrateiro por baixo da mesa, minha pelve entreaberta, exposta, entregue.