sábado, 26 de junho de 2010

Saudade

Eu não me importava de acordar todos os dias às 7 horas, dormindo perto da meia noite e amanhecendo como se um trator me atropelasse durante o sono, sôfrega e tremula. Bem, na verdade eu me importava, regando os meus dias de um palavreado chulo inconfundível.
Tinha esse garoto lá aonde eu ia. Não éramos tão próximos a inicio e não sei dizer se a proximidade nos acolheu no final, mas à medida que os dias passavam eu não me importava mais de acordar todos os dias às 7, assistindo o menino chegando de manhã, mau humorado me esboçando um sorriso e me beijando a bochecha. Eu gostava quando ele me beijava a bochecha, e ele o fazia sempre, até quando nos encontrávamos em outras ocasiões, como um pequeno ritual que era só meu e dele. Para as outras pessoas bastava um aceno, um breve sorriso esboçado no canto dos lábios, um cumprimento sonoro, um aperto de mão. Eu não gosto que encostem em mim. Ele era diferente com seu pull over xadrez e sua camiseta pólo que se esgueirava gola a fora. Avistava-me de longe e parava para que eu fosse lhe dar um beijo, sorridente. Queria dar lhe um abraço, queria pular no seu colo, queria que ele me levantasse do chão e me rodopiasse. E o olhava sentado à mesa na minha frente enquanto minhas idéias transbordavam de malícia. Falava me olhando fixo como se no fundo soubesse, sentia meu coração a beira de um ataque enquanto envergonhada só podia desviar o olhar. Eu queria. Sabia que ele tinha uma namorada há algum tempo atrás, só não sabia se os dois estavam juntos ainda. Um dia o senti subitamente omitindo o nome dela enquanto me contava uma história. Nunca tive a coragem de perguntar, só a certeza que as coisas estavam mudando e agora ele chegava me beijando a bochecha, me fazendo rir e encostando em mim. Eu não me importava que ele encostasse seu corpo junto ao meu e se acomodasse no meu ombro. Às vezes nossas mãos se tocavam, eu quase perdia o fôlego, minhas pernas desvencilhavam, ele sorria, um sorriso sincero bonito de se ver, com aqueles óculos de aros grossos e os olhos miúdos. Eu gosto de óculos. Gostava também quando ele tirava e aí eu podia admirá-lo com a fronte límpida, clara. E então as brincadeiras se intensificaram, os olhares, o jeito que ele afagava meu cabelo com um carinho imenso. Às vezes era só eu e ele, e quando estávamos fora também ficávamos sozinhos por algum tempo em algumas situações. Saíamos de carro e ele sentava-se ao meu lado e riamos juntos enquanto meus pensamentos já eram realmente impróprios. E nada aconteceu.
Quando nos vemos agora, faz questão de me dar um beijo, porque a gente já não se encontra mais com tanta freqüência.

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