sábado, 26 de dezembro de 2009

Os contos etéreos sobre Melaço

Era Melaço sim, do mesmo jeito que os famosos molasses dos livros de culinária que Dona Mãe guardava com tanto carinho na biblioteca de casa, só que em portugues. Não preciso nem descreve-lo tão profundamente, porque já se pode concluir que era doce, doce e indefinido, ou seu sobrenome seria de Romã, ou de Cana-de-açucar caso houvesse alguma raça ou origem semelhante.

Beirava meus 10 anos quando o encontrei perdido, vagando por aí. "Olha mãe, nenê!". Muito severa e polida, adiantou-se ao me corrigir "Não, Cecília, é só um cachorro". Mas Melaço, para mim ao menos, nunca fora só um cachorro separado do reino dos homens da mesma forma que se usa separar calcinhas de meias na hora de lavar, Melaço era um doce, um filho, um amigo, e acima de tudo um cão boemio que custou-me muito a entender.

Quando a coisa toda começou, quero dizer, meu relacionamento com esse meu amigo, peso muito em admitir que sentia-me levemente envergonhada, especialmente quando caminhavamos juntos pelo parque. E não era só porque o desejo dele de fugir da coleira era tão intenso que praticamente me arrastava durante o percurso todo, como também a fuga era vezenquando bem sucedida, aí só me restava fingir que aquele monstrinho de dois palmos que causava desordem, em contraste aos outros cachorrinhos muito polidos e bem treinados, não era meu.

Porém, o que mais me entristece é ter plena consciencia que des de muito cedo existia um certo preconceito intrinseco no amago de meu ser, e aí lembro-me muito bem do infame dia, o qual, ao passear com Melaço e minha mãe pelas ruas, uma menininha curiosa, um pouco mais nova que eu, com seu cocker puríssimo, perguntou-me "mas que raça ele é?". Queria dizer, é um beagle, sabe? só que do tipo alemão (isso devido a sua pelagem alourada, cor de mel diluído em agua, daqueles que nunca cristalizam). A verdade é que eu queria dizer qualquer coisa, todavia, como punição, Dona mãe sempre muito justa e honesta, logo inrrompeu com descaso "é um vira-lata". Pior do que a cara da garotinha nesse momento foi só depois quando me perguntou o seu nome, "Er, hmm... , é Melaço".

"Gente doida!" Deve ter ocorrido na sua cabecinha. E foi embora superior, com seu cocker muito puro, que devia ter até pedigree, sabe?

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