quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Não há vida

A manhã acordou branquinha de névoa, adentrando os cômodos no abrir das janelas, invasora. Os pés branquinhos tocaram descalços o chão resfriado, enquanto os ossos rangiam no esforço do levantar de um corpo. Mas se era tão leve? Diziam. E a abraçavam rodopiando, mantendo seus pezinhos frígidos afastados do chão. Um saco de ossos gelados - alguém disse, e com a mesma falta de sutileza na escolha das palavras, resmungou - foi como "foder" um saco de ossos, e gelado ainda por cima. Mas isso não impediu o esticar dos músculos espreguiçando, o bocejar, o trincar dos lábios rachados de frio e falta de cuidado. Precisa ser mais vaidosa, se cuidar um pouco mais, passar um esmalte, um batonzinho, que tal? Se o contraste não fosse tanto, ou tão vulgar, tão branco com vermelho - fico parecendo uma biscate - e fechou o sorriso embravecida. Vestiu as pantufas desbotadas, presente de um tempo que não se recorda mais, e arrastou os pés com grande dificuldade até a cozinha. Acendeu a luz da cozinha. Malditas luzes florescentes brancas demais. Pegou uma caneca, deslocou-a até a pia, onde foi preenchida de leite. Abriu a porta do microondas, cheirava pão quentinho com margarina do dia anterior, aspirou a essência toda e sorriu. Colocou a solução resultante de leite, achocolatado e café solúvel no seu interior e fechou a porta. Apertou o botão, e nada. Apertou qualquer outro botão, e nada. Pressionou todas as possibilidades imagináveis para obter somente um suspiro de existência, mas não havia vida.

2 comentários:

  1. Gostei desse!
    Embora eu tenha ficado desconcertada com a parecença comigo.

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  2. ah, outra coisa... foste tu às aulas de química... sahsuhasa

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