sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Sobre Mathilda

-Nossa... - suspirou dissolvendo o açúcar na xícara de café - Você já sentiu algo parecido com isso, Cê? Abaixou a cabeça, deixando algumas mechas do cabelo cobrir a face, os braços pesados desapegados sobre a mesa, as veias rígidas.
Será que é por causa do frio? Perguntei-me assoprando cuidadosamente o chá. Ele usava um casaco preto pesado até as canelas, e as mãos congelando na esperança do aconchego de uma fonte de calor. Mal pude expressar algum consolo quando me interrompeu.
- A primeira vez que vi Mathilda ela tinha seus cinco anos de idade - Sorriu brevemente - Ela estava trancafiada atrás de uma grande vidraça e me lembro de seus dedinhos rosáceos como borrachas aderidos ao vidro. Sua respiração embaçava a janela, mas aquele tipo de olhar, ah Cê, era daquele tipo que a gente nunca se esquece.

É esse o problema?- Me enalteci – vai me dizer que está por aí, todo amuado por causa de um garotinha?

- Não, Cê, Mathilda não é mais uma garotinha, isso foi coisa de muito tempo atrás.
Suas bochechas avermelharam, logo tomou um pouco mais de ar e recomeçou:
- A segunda vez que vi Mathilda ela já estava feita. A encontrei sentada em um banco de praça qualquer, aquele olhar, e os dedinhos rosados se escondendo dentro da blusa escura, só podia ser. Tinha umas olheiras enormes, a boca entreaberta, e o cabelo escuro e espesso fechando toda a cara. Não podia encostar nela, sabe? Alguma coisa simplesmente repelia, mas o que aconteceu foi que ao passar por ali na manhã seguinte ela ainda estava lá, da mesma forma.

Naquele momento vi seu olhar tão distante, que pensei que nunca o teria de volta, uma seriedade monstruosa tomou conta de sua face, mas que logo se expressou aveludada na continuidade das palavras.

- A terceira vez que vi Mathilda foi quando acordei depois de levá-la comigo para casa, ela estava sentada no sofá lendo um de meus livros, só de polainas. Segundo ela, faz muito frio nas canelas.

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