domingo, 28 de março de 2010

A declaração

Encontrei rota e esquecida uma carta escrita em papel amarelado muito judiado, o coitado do papel, que até me doeu no peito tirá-lo de seu esconderijo dessa forma tão intrusa, mas o que aconteceu e agora compartilhando, as cenas e palavras tornar-se-ão um tanto fantasiosas de maneira que a coisa toda pareça de verdade, ou de mentira.

Essa foi a introdução.

A mão feminina segurava tremula uma caneta e um pedaço de papel, retirado do fundo da penteadeira onde remanesciam juntamente alguns restos de maquiagem e amostras violadas de perfume. O deslizar da ponta seca na superfície áspera causava certo atrito a medida que a tinta se recusava a sair. A cor é trocada. Consegue-se ainda ouvir o objeto ingrato sendo lançado ao chão antes de ser substituído.

"Oi".

As bochechas assumem um tom róseo. Há uma pausa. O canto da boca é mordido violentamente pelos próprios dentes impacientes. O ar se solta, e as palavras continuam.

"Você não deve se lembrar de mim, mas eu estava lá"

"Não sei se você chegou a reparar em mim alguma vez". E uma lágrima umedece a pele trincada de frio, enquanto a letra torna-se cada vez mais ilegível. "Porque eu queria ter conseguido falar com você, mas me faltou coragem".

"Porque me falaram que eu deveria parar de ficar esperando que as coisas acontecessem e talvez devesse tentar fazer com que elas simplesmente aconteçam".

"Porque eu queria conseguir".

Nesse momento a tensão já tomou toda sua nuca, incomodando. Nunca pensou como era falha a altura da mesa até aquele momento em que a menina realmente sentia. E as entranhas cheias de borboletas. Abriu uma gavetinha de onde tirou uma foto 3x4, preto e branco, um tanto amassada e arrancada de algum lugar. Prendeu o ar, olhou para o teto até a vertigem chegar. A cadeira tombou. Um risco preto machucou a folha.

O papel enrugou todo com a umidade, contorcendo-se em desespero a fim de manter-se unido em uma ultima tentativa, quando a menina sem forças não queria mais saber dessa coisa de conseguir. Abriu a ultima gaveta da penteadeira, moveu alguns cartões e papéis amontoados, alcançou o fundo aonde se sentia a textura da madeira, e por fim sepultou o coitado.

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