quinta-feira, 29 de abril de 2010

The Glow, ou a luzinha esverdeada que não ilumina

"E não é porque voce vê, é porque na verdade voce não está vendo."

Era uma noitinha dessas bem ordinárias e eu me encontrava sentada desleixadamente em uma cadeira com uma das pernas em cima e a outra nem tanto, em uma falha e árdua tentativa daquela menina que não deveria ser menina de pintar as unhas, esmaltá-las - custa só cinco reais, tirar a cutícula sai mais caro.
O vento entrava sorrateiramente mudo, filtrado pelas barreiras que a janela impunha, e eu, muito concentrada nos dedos, nas acetonas e nos palitinhos, e eu que nem olhava para lá. Foi essa a primeira vez que eu vi o brilho, o flash de câmera, a luz saturada piscando. Vi assim, de relance, de visão periférica, sem bem ter certeza do que tinha acabado de acontecer. Assustei-me, ah... a primeira vez sempre assusta. Sensação de estranheza enquanto a coisa simplesmente te invade e te ilumina por dentro, debochando do seu medo. A escada até rangeu enquanto eu tentava espiar pelas frestas da janela se algum maluco estava a me espionar. Estremeci, larguei as cores espalhadas pelo balcão e me meti embaixo das cobertas, o esmalte todo borrado.
Passado algumas semanas, me deparei com uma estranha coincidência que por uma noite ou outra posso dizer que tenha quase me tirado o sono, nessa época da vida que era tão fácil dormir, coisa de se virar para o lado e. Estava prestes a me deitar, aconchegada nos macios edredons que com tanto amor e ternura eu tenho certeza de que minha mãe arrumou para mim. Ao fechar os olhos na penumbra das pálpebras, um ponto de luz invasor atravessava a semi-transparência. Verde. Abri os olhos sem acreditar realmente no que estava vendo, enquanto na janela piscava solenemente um ponto esverdeado. Sentei-me na cama e por um tempo admirei essa minha possível falta de lucidez temporária enquanto forçava a entender o acontecimento. Desvencilhei-me das cobertas apenas para me deparar com um inseto muito feio, feio mesmo preso no lado de dentro da tela, mas se todas as janelas estão fechadas, coçava a cabeça com uma expressão de incompreensão estampada na face observando a criatura piscar.
À medida que o fim daquela época se aproximava, penso agora se em algum momento levei um forte tombo ou com demasiada força encontrei minha cabeça em alguma aresta, e talvez tudo aquilo fosse apenas o resultado de alguma falha ou possível seqüela. O que passou a se suceder era que o brilho agora emanava de vários lugares. Sacolas, frestas, arbustos, pessoas. É até as pessoas piscavam, me enlouquecendo com um tipo bizarro e impossível de luz. Realmente me incomodava a falta de sentido transpirando desses meus erros visuais, até o dia que não se repetiram mais.
Pela quarta feira da semana passada, estava sentada em um cômodo azul e um tanto peculiar, sem muitas janelas e a luz tão tênue chegando a doer os olhos. As pernas esticadas pela parede em uma pose não convencional, a cabeça quase para baixo, os saltos arranhando a pintura e a saia quase subindo até a barriga, esperando impacientemente com um livro no colo e os cabelos alourados contrastando com a poltrona preta de veludo cotelê. Seria até uma foto interessante, imagino, se algo que piscou não tivesse refletido na lente.

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