sábado, 1 de maio de 2010

Meu amor vermelho em veludo

Não me faça implorar.

Vi hoje as tulipas mesmas dispostas igualmente sobre outro porém semelhante balcão. Eu realmente gosto de tulipas, elas me comovem. Tulipas vermelhas de identidade única esboçada em seu cálido interior. Vulneráveis. Uma criança pousou a mão sobre uma de suas flores e em contraste com esse gesto afetuoso, despedaçou suas pétalas em cálice com enorme violência. Pobres tulipas agora sangrentas.

Ela estava sentada na ponta da cama de costas esperando-o se trocar enquanto em vão implorava que ficasse. Por favor, não precisa ir embora agora, como uma cachorrinha perdida na esperança de encontrar um novo dono. Ele a beijou e fechou-a em seu mundo. Sentiu seu coração sendo despedaçado feita tulipa desnuda sentada no canto do quarto.

Eu gosto.

Pousou o Bordeaux na mesa. Olhou pra fora do café, enquanto olhava sem o menor interesse os transeuntes com a pressa citadina habitual. E como se estivesse nua e inerme diante do que fora dito, esboçou um sorriso acanhado e, sem ter onde pôr as mãos, recostou os dedos nas coxas frígidas e acariciou o tecido, como se tentasse desvencilhá-lo de uma ruga imaginária.
Uma coisa que ela jamais entendera é por que deveria se sentir tão miserável sem ter feito nada pra sê-lo de fato. Mas com um gesto dele, ou de qualquer outro que não precisava ser muita coisa, ruiria a auto-estima que com tanta labuta tentou erigir. As horas gastas à procura do vestido ideal, os pequenos pés exaustos da peregrinação pelo calçado que combinava perfeitamente para aquela ocasião, a maquiagem feita com precisão cirúrgica, e finalmente a briga com o espelho, recitando fervorosamente um mantra para convencer-se de que ele perderá o fôlego ao vê-la. Um ritual! E na verdade, talvez ela se preparasse tanto pra ser imolada como um sacrifício. Lembrava-se ainda de sua própria visão após a partida do rapaz nessa manhã. Olheiras de ressaca. O rímel borrando o entorno dos olhos. E algum resquício do batom escarlate que acreditara, na noite anterior, deixá-la vaporosa. Palhaça. E no canto direito do espelho do banheiro podia vislumbrar sobre o balcão de alvura imaculada o bouquet de tulipas já desmaiadas. Quase tão efêmeras quanto a esperança lânguida de um alento, quem sabe até mais caras e bem-vindas do que a sua companhia.

Mas eles que não gostam de mim em retorno.

(Segunda parte por Lux)

3 comentários:

  1. A realização de uma idecência como essa. O sonho espetacular de uma pétala musculosa, pero frágil. Que lembrança guardo somente dessa fotografia embotada de veludo.

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  2. Gostei, gostei!
    Sua escrita é como broinha de fubá mimosa que derrete no céu da boca.
    Linkei seu blogue no meu.

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  3. Fora de cogitação. Nem pense em apagá-lo, Cecília.

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